A reforma da tributação sobre consumo pode trazer receita nova a Estados e municípios com a cobrança do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) sobre bets. Pela legislação atual, as operações com apostas estão fora do alvo de tributação dos Estados e o potencial de arrecadação sobre consumo esbarra na dificuldade em cobrar imposto de empresas que não estão sediadas no país, embora as operadoras faturem cada vez mais com apostas feitas por brasileiros.
Segundo estimativas do Tax Group Inteligência Tributária, a reforma pode resultar em uma arrecadação anual de R$ 11,13 bilhões em IVA dual, sendo R$ 3,7 bilhões da parte federal e R$ 7,43 bilhões da parte de Estados e municípios. O cálculo considera como base o GGR [Gross Gaming Revenue, na sigla em inglês], que equivale à receita líquida, diferença entre o valor arrecadado e os pagamentos feitos aos apostadores. Nessa base, a arrecadação potencial de tributos sobre consumo pelas regras atuais – considerando os federais PIS e Cofins e o ISS municipal – seria de total de R$ 5,99 bilhões anuais, dos quais R$ 2,1 bilhões correspondentes ao ISS municipal.
A tributação de bets pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ainda está indefinida. As apostas on-line podem entrar também no radar da cobrança do Imposto Seletivo (IS), o que também está em discussão. Aprovada em dezembro do ano passado, a Emenda Constitucional 132/23, da reforma tributária, ainda tem sua regulamentação em discussão no Congresso via PLP 68/24.
O estudo do Tax Group também comparou a diferença entre o potencial da arrecadação atual e da receita que pode vir com a reforma em outros dois cenários, sempre olhando para tributos sobre consumo. Considerando a receita bruta como base de cálculo, o estudo mostra que a arrecadação potencial atual é de R$ 11,1 bilhões para os federais PIS e Cofins e de R$ 6 bilhões para ISS, num total de R$ 17,1 bilhões. Com a reforma, as bets podem levar a uma arrecadação de IVA dual de R$ 31,8 bilhões, sendo R$ 21,24 bilhões em IBS, que será administrado por Estados e municípios, e R$ 8,13 bilhões em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), sob gestão da União.
Em outro cenário, no qual a base de cálculo é o lucro líquido, a receita potencial de ISS atual seria de R$ 750 milhões anuais e a de PIS e Cofins, de R$ 1,39 bilhão. Nessa base, o IBS poderá arrecadar R$ 2,66 bilhões ao ano, e a CBS, R$ 1,32 bilhão.
Luis Wulff, tributarista e presidente do Tax Group, lembra, porém, que há um período de transição para os novos tributos que deverão vir com a reforma. Pelo cronograma estabelecido, essa transição começa em 2026 e termina em 2033.
O estudo considerou entre as premissas receita bruta total anual de R$ 120 bilhões com bets. O valor, após a dedução de R$ 78 bilhões estimados como valor pago aos apostadores, resultaria em receita líquida de R$ 42 bilhões, valor correspodente ao GGR [Receita Bruta de Jogos]. Considerando ainda R$ 26 bilhões em custos e despesas, o lucro líquido seria de R$ 15 bilhões. Wulff lembra que, pela Lei Complementar 116/03, a base de cálculo usual para o ISS é a receita bruta com serviços. Foi usada alíquota de 5% para o cálculo do imposto. Para o PIS e a Cofins considerou-se alíquota conjunta de 9,25%. O IVA dual foi calculado em 27,97%, alíquota média estimada segundo nota técnica do Ministério da Fazenda de agosto de 2024.
Como a reforma, não só os municípios poderão ter arrecadação sobre as apostas, mas os Estados também, explica Wulff. A reforma, diz, pode facilitar a tributação porque a base do IVA será maior que a dos atuais ISS e ICMS.
Wulff observa que a tributação sobre bets pelo IVA dual ainda não está definida. Para ele, a tendência é que essas operações sigam regime específico e tenham no GGR a base de cálculo.
A recente regulamentação do setor já despertou o interesse das prefeituras. Pelo cálculo da Abrasf, que reúne os secretários de fazenda das capitais, o potencial de arrecadação do ISS sobre bets é de R$ 2,7 bilhões anuais, considerando os números de 2023. Para 2024 o potencial é calculado em R$ 10 bilhões. Os cálculos estão em ação direta de inconstitucionalidade na qual a Abrasf entrou como participante interessada.
Rodrigo Fantinel, secretário de Fazenda de Porto Alegre e presidente da Abrasf, diz que as apostas on-line estão sujeitas ao ISS, mas atualmente o recolhimento do tributo está longe de seu potencial. “Muitas das empresas que operam no país não têm sede no Brasil. Isso faz com que o ISS não seja recolhido atualmente.” A lei que estabelece a regularização das bets no Brasil, diz Wulff, determina que a partir de 2025 as plataformas de apostas devem estabelecer sede fiscal no Brasil.
“Temos conversado com empresas do setor que querem estabelecer sede em Porto Alegre. Hoje o que se arrecada no município nesse segmento específico é irrisório. E sabemos que existe uma movimentação financeira considerável no setor”, diz Fantinel.
Segundo estudo especial divulgado pelo Banco Central em setembro, os valores estimados em apostas online em 2024 variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões mensais de janeiro a agosto. O estudo também estimou que cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas, realizando ao menos uma transferência via pix com essa finalidade em igual período.
A participação na ação judicial que tramita no STF é uma forma de os municípios participarem efetivamente da discussão sobre o tema, diz.
Wulff lembra que as bets possuem legislação de 2018, embora não tenha sido estabelecida á época uma cobrança por municípios ou Estados. Caso já tivesse sido definido, o ISS poderia ter arrecadado cerca de R$ 30 bilhões no acumulado de cinco anos.
Na ação, a Abrasf pede que as operadoras de apostas on-line que requisitaram autorização para operar no Brasil façam o recolhimento prévio de todos os tributos devidos em razão de atividades que já tenham realizado no país ou destinadas a consumidores brasileiros, ainda que a partir de estabelecimentos situados no exterior. As prefeituras pedem também a comprovação da origem lícita dos recursos destinados ao pagamento do valor exigido como outorga para a obtenção da licença de estabelecimento e operação no país.
Para Gilberto Perre, secretário executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), bets são atividade tipicamente de prestação de serviços e, por isso, sujeitas ao ISS. “Prefeitas e prefeitos estão atentos ao tema em função dos reflexos sociais de comprometimento da renda justamente daqueles que pouco ou nada tem, e que pode acarretar em novas demandas aos serviços sociais que são oferecidos pelas próprias municipalidades.”
Atualmente, considerando a Lei 14.790/2023, além da tributação por PIS, Cofins e ISS, explica Wulff, as operadoras de apostas online também estão sujeitas ao pagamento da taxa de 12% sobre o GGR e dos 34% de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. “No cenário atual, o maior desafio está na fiscalização das plataformas que operam no exterior e se de fato sairão do ar, o que dificulta a plena arrecadação de impostos e a regularização total do setor. Além disso, a base de cálculo de tributos como PIS e a Cofins continua a ser ponto de debate entre as autoridades fiscais e as empresas do setor”, indica o estudo.
Além da definição para a cobrança do IBS e da CBS, diz Wulff, outro debate é sobre a cobrança do Imposto Seletivo sobre bets. “O Imposto Seletivo seria para controlar o impacto social das apostas, possivelmente com alíquotas elevadas para desencorajar o consumo excessivo.”
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, afirma que há incerteza muito grande sobre como a CBS e o IBS vão funcionar para setores específicos, sobretudo quando se trata de serviços. “Na verdade, a tendência é que tanto a CBS quanto o IBS acabem incidindo sobre as chamadas bets. Neste caso, haveria ganhos para União, Estados e municípios, tudo o mais constante. O problema é que não dá para fazer esse tipo de análise sem considerar as outras dimensões da Emenda 132 e da sua regulamentação, que nem sequer foi aprovada, ainda, pelo Congresso.”